quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Soberania e Petrarquismo

É importante falar sobre o Petrarquismo e suas características, pois a literatura foi amplamente utilizada no período Elisabetano para servir a propósitos políticos. Um poema de Petrarca poderia ser parodiado ou adaptado para fins políticos se ele fosse amplamente conhecido e a rainha utilizou o ícone da lírica Petrarquista, Laura, como uma forma de se modelar e se projetar como uma mulher apaixonante e desejável, contudo, inatingível.

 Petrarquismo, que significa “produzir atividade na literatura ou arte ou música sob influência direta ou indireta de Petrarca, expressão de admiração por ele e seus estudos e influências” (A General Survey of Renaissance Petrarchism, Ernest H. Wilkins) estava presente na poesia, como veremos mais a frente.

Em seu livro The Icy Fire: Five Studies in  European Petrarchism, Leonard Forster discorre sobre a importância e influência de Petrarca na poesia, especialmente nos séculos XV e XVI, e como seu modelo, tanto sobre o amor, quanto sobre a dama e também sobre a forma do soneto se espalharam pela Europa.
O ideal da dama petrarquista mostra a amada como uma mistress que tem poder total sobre o amante e se estabelece, assim, uma relação similar à vassalagem, na qual o amante é completamente submisso à dama. A salamandra de Petrarca, que queima e é fria fazendo seus amantes sofrerem está representada no poema. 

O eu-lírico  Petrarquista variava entre cortejo e adoração, mas ele amava Laura por ela ser uma mulher real cuja beleza o intoxicava e cuja presença o excitava, por isso ele sempre louvava seus atributos físicos – cabelos, olhos, pele etc. – e ela representava perfeição física e espiritual. Ainda assim, o amor não era propriamente uma virtude, pois ele entendia que amor significa paixão e esta é pecaminosa.
Uma característica fundamental da poesia petrarquista é a melancolia e a resignação e esse estado de espírito pode ser caracterizado pelo paradoxo de Petrarca dolendi voluptas, que é o prazer na dor.


É importante observar como a rainha é retratada na literatura, pois muitas vezes ela é a personificação do ícone literário que representa a convenção Petrarquista, Laura. Não só a rainha se parece com Laura, como ela própria se utiliza da imagem da dama petrarquista para confirmar o ideal da dama que a rainha estava tentando incorporar. 

O poema abaixo The Ocean to Cynthia, foi escrito por Sir Walter Raleigh, que era cortesão da côrte de Elizabete, chamado de “The Ocean Sheperd” por Edmund Spenser. Após este título, o próprio Raleigh passou a se chamar de Ocean e esta nomenclatura provavelmente se deve ao fato de Raleigh ter sido um explorador/aventureiro/viajante, além de cortesão. 

Sir Walter Ralegh (Raleigh)
by Unknown English artist

oil on panel, 1588
36 in. x 29 3/8 in. (914 mm x 746 mm)
Purchased, 1857


Cynthia pode ser   um   sinônimo  para   Ártemis   (devido  ao  monte   Cynthus   em Delos). Ártemis era a mais venerada das deusas gregas, conhecida por deusa das caças (logo corajosa, forte, estratégica), protetora das meninas jovens e da virgindade (ela conquistou muitos homens, porém nunca esteve como nenhum). Além disso, ela era conhecida como a personificação da Lua, que é considerada a representação do feminino por suas fases, mutabilidade que está relacionada ao lado emocional, principalmente na Idade média – enquanto isso, o homem é o sol, central e poderoso. 
Dadas estas informações, é importante notar a extrema dualidade de Ártemis, de Cynthia. Estas dualidades são muito similares as atribuídas à rainha, que é chamada Cynthia por Raleigh/eu-lírico. Sendo assim, The Ocean to Cynthia é uma elegia de Raleigh para a rainha.

The Ocean to Cynthia
.     .     .     .     .     .     .     .        
But stay, my thoughts, make end, give fortune way ;
    Harsh is the voice of woe and sorrow's sound ;
Complaints cure not, and tears do but allay
    Griefs for a time, which after more abound.
To seek for moisture in the Arabian sand
    Is but a loss of labor and of rest ;
The links which time did break of hearty bands
Words cannot knit, or wailings make anew.
    Seek not the sun in clouds when it is set.
On highest mountains, where those cedars grew,
    Against whose banks the troubled ocean beat,
And were the marks to find thy hopëd port,
    Into a soil far off themselves remove ;
On Sestos' shore, Leander's late resort,
    Hero hath left no lamp to guide her love.
Thou lookest for light in vain, and storms arise;
    She sleeps thy death that erst thy danger sighed;
Strive then no more, bow down thy weary eyes,
    Eyes which to all these woes thy heart have guided.
She is gone, she is lost, she is found, she is ever fair;
    Sorrow draws weakly where love draws not too;
Woe's cries sound nothing, but only in love's ear.
    Do then by dying what life cannot do.
Unfold thy flocks and leave them to the fields,
    To feed on hills or dales, where likes them best,
Of what the summer or the springtime yields,
    For love and time hath given thee leave to rest.
Thy heart which was their fold, now in decay
    By often storms and winter's many blasts,
All torn and rent becomes misfortune's prey;
    False hope, my shepherd's staff, now age hath brast.
My pipe, which love's own hand gave my desire
    To sing her praises and my woe upon, 
Despair hath often threatened to the fire,
    As vain to keep now all the rest are gone.
Thus home I draw, as death's long night draws on;
    Yet every foot, old thoughts turn back mine eyes;
Constraint me guides, as old age draws a stone
    Against the hill, which over-weighty lies
For feeble arms or wasted strength to move:
    My steps are backward, gazing on my loss,
My mind's affection and my soul's sole love,
    Not mixed with fancy's chaff or fortune's dross.
To God I leave it, who first gave it me,
    And I her gave, and she returned again,
As it was hers; so let His mercies be
    Of my last comforts the essential mean.
But be it so or not, the effects are past;
Her love hath end; my woe must ever last.
(FROM J. HANNAH's Courtly Poets from Raleigh to Montrose, 1870.)

Glossário:

Woe = tristeza profunda
Sorrow =  sentiment de profunda tristeza
Sestos' shore = literal europeu 
Leander =  Protagonista do mito grego "Hero and Leander" - história presente em diversos autores da renascença. 
Cedar = uma árvore alta que nunca perde suas folhas 
Análise do poema 
(from J. HANNAH's Courtly Poets from Raleigh to Montrose, 1870)

Como mencionado anteriormente, The Ocean to Cynthia é Raleigh (Ocean) escrevendo para Cynthia (Elizabete) e o poema é uma elegia à rainha.
Durante todo o poema o eu-lírico manifesta extrema tristeza e afirma que não vale a pena lutar se a amada não está mais ali e esse sofrimento não tende a acabar, pelo contrário, com o tempo ele só aumentará.  
Na 3ª estrofe, o eu-lírico diz para não procurar o sol quando ele já está posto (Cynthia sendo projetada como sol, centro de tudo), ou seja, ele não deve procurá-la, já que ela não está mais disponível. 
Outra imagem interessante é a possível associação da Cynthia com a montanha (alta, poderosa, indestrutível e irremovível), contra a qual os oceanos se chocam (Raleigh se choca) e ela era o seu porto seguro, onde ele encontrava esperança. 


Relação com Petrarca

1)     Descrição metafórica ou associação mitológica

The Ocean to Cynthia

Na convenção Petrarquista, a beleza da dama poderia ser louvada com uma metáfora descritiva ou com uma associação metafórica– Cynthia pode ser um sinônimo para Ártemis, devido ao monte Cynthus em Delos – a fim de expressar o grande impacto dela no eu-lírico.

Outra imagem interessante é a possível associação da Cynthia com a montanha alta, poderosa, indestrutível e irremovível, contra a qual os oceanos se chocam (Raleigh se choca) e que era o porto seguro, onde ele encontrava esperança. (thy hope = esperança).

Words cannot knit, or wailings make anew.
Seek not the sun in clouds when it is set.
On highest mountains, where those cedars grew,
Against whose banks the troubled ocean beat,
And were the marks to find thy hopëd port,

2) A utilização de imagens opostas (paradoxos).

Como já mencionado, uma gama de antíteses podem ser vistas nos poemas de Petrarca, recurso que marca a sua obra, e aqui podemos ver o mesmo acontecendo.

To seek for moisture in the Arabian sand
    Is but a loss of labor and of rest ;
The links which time did break of hearty bands

Aqui este recurso é utilizado argumentando que já não vale mais a pena lutar, só lhe resta sofrer por essa perda e deixar o destino agir. A busca pelo Amor da rainha é uma perda de tempo, assim como buscar água no deserto, uma vez que as ligações desfeitas pelo tempo não podem ser remendadas através de palavras, talvez pelos infindáveis poemas feitos por ele ou através de lamentos.


3) A salamandra de Petrarca

A salamandra de Petrarca que queima e é fria fazendo seus amantes sofrerem está representada no poema. Entende-se que uma vez a dama pareceu estar interessada no eu-lírico, ele se encantou por ela e sofre por não a ter novamente. O par da dama (indiferente x amante) traz a imagem de vassalagem para esta situação em que o homem é um servo eterno, enquanto a dama é superior. A dama Petrarquista é cruel com seus admiradores, assim como a rainha. A dama tinha sua beleza adorada, aqui a rainha tem sua soberania exaltada, pois, sendo a rainha virgem, ela estava muito além do alcance de admiradores comuns. Ela os causava sofrimento, pois eles nunca a teriam.

Thou lookest for light in vain, and storms arise;
She sleeps thy death that erst thy danger sighed;
Strive then no more, bow down thy weary eyes,
Eyes which to all these woes thy heart have guided.

Referências:


FORSTER, Leonard. The Petrarchan Manner. The Icy Fire. Five Studies in European Petrarchism. Cambridge: Cambridge University Press, 1969.

FORSTER, Leonard. The Political Petrarchism of the Virgin Queen. The Icy Fire. Five Studies in European Petrarchism. Cambridge: Cambridge University Press, 1969.


HANNAH, J., The courtly poets from Raleigh to Montrose, London, Bell and Daldy, 1870.
https://archive.org/details/courtlypoetsfro00wottgoog

INTERNET ARCHIVE


LUMINARIUM: Anthology of English Literature 

NATIONAL PORTRAIT GALLERY

POETRY FOUNDATION
https://www.poetryfoundation.org/poems-and-poets/poets/detail/sir-walter-ralegh


WILKINS, E. H. A General Survey of Renaissance Petrarchism. ... Baldensperger and W. P. Friederich, Bibliography of Comparative Literature, Chapel Hill, 1950.

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