É importante falar
sobre o Petrarquismo e suas características, pois a literatura foi amplamente
utilizada no período Elisabetano para servir a propósitos políticos. Um poema
de Petrarca poderia ser parodiado ou adaptado para fins políticos se ele fosse
amplamente conhecido e a rainha utilizou o ícone da lírica Petrarquista, Laura,
como uma forma de se modelar e se projetar como uma mulher apaixonante e
desejável, contudo, inatingível.
Petrarquismo, que
significa “produzir atividade na literatura ou arte ou música sob influência
direta ou indireta de Petrarca, expressão de admiração por ele e seus estudos e
influências” (A General Survey of Renaissance Petrarchism, Ernest H.
Wilkins) estava presente na poesia, como veremos mais a frente.
Em seu livro The Icy Fire: Five
Studies in European Petrarchism, Leonard Forster discorre sobre a
importância e influência de Petrarca na poesia, especialmente nos séculos XV e
XVI, e como seu modelo, tanto sobre o amor, quanto sobre a dama e também sobre a
forma do soneto se espalharam pela Europa.
O ideal da dama petrarquista mostra a
amada como uma mistress que tem poder
total sobre o amante e se estabelece, assim, uma relação similar à vassalagem,
na qual o amante é completamente submisso à dama. A salamandra de Petrarca, que
queima e é fria fazendo seus amantes sofrerem está representada no poema.
O eu-lírico Petrarquista variava entre cortejo e adoração,
mas ele amava Laura por ela ser uma mulher real cuja beleza o intoxicava e cuja
presença o excitava, por isso ele sempre louvava seus atributos físicos –
cabelos, olhos, pele etc. – e ela representava perfeição física e espiritual.
Ainda assim, o amor não era propriamente uma virtude, pois ele entendia que
amor significa paixão e esta é pecaminosa.
Uma característica fundamental da poesia
petrarquista é a melancolia e a resignação e esse estado de espírito pode ser
caracterizado pelo paradoxo de Petrarca dolendi voluptas, que é o prazer
na dor.
É importante observar como a rainha é
retratada na literatura, pois muitas vezes ela é a personificação do ícone
literário que representa a convenção Petrarquista, Laura. Não só a rainha se
parece com Laura, como ela própria se utiliza da imagem da dama petrarquista
para confirmar o ideal da dama que a rainha estava tentando incorporar.
O poema abaixo The Ocean to
Cynthia, foi escrito por Sir Walter Raleigh, que era cortesão da côrte de
Elizabete, chamado de “The Ocean Sheperd” por Edmund Spenser. Após este título,
o próprio Raleigh passou a se chamar de Ocean e esta
nomenclatura provavelmente se deve ao fato de Raleigh ter sido um
explorador/aventureiro/viajante, além de cortesão.
Sir
Walter Ralegh (Raleigh)
by
Unknown English artist
oil on panel, 1588
36 in. x 29 3/8 in. (914 mm x 746 mm)
Purchased, 1857
Cynthia pode ser um
sinônimo para Ártemis (devido
ao monte Cynthus em Delos). Ártemis era a
mais venerada das deusas gregas, conhecida por deusa das caças (logo corajosa,
forte, estratégica), protetora das meninas jovens e da virgindade (ela
conquistou muitos homens, porém nunca esteve como nenhum). Além disso, ela era
conhecida como a personificação da Lua, que é considerada a representação do
feminino por suas fases, mutabilidade que está relacionada ao lado emocional,
principalmente na Idade média – enquanto isso, o homem é o sol, central e
poderoso.
Dadas estas informações, é importante
notar a extrema dualidade de Ártemis, de Cynthia. Estas dualidades são
muito similares as atribuídas à rainha, que é chamada Cynthia por
Raleigh/eu-lírico. Sendo assim, The Ocean
to Cynthia é uma elegia de Raleigh para a rainha.
The Ocean to Cynthia
. . . . .
. .
.
But stay, my thoughts, make
end, give fortune way ;
Harsh is the voice of woe and sorrow's sound ; Complaints cure not, and tears do but allay Griefs for a time, which after more abound.
To seek for moisture in the
Arabian sand
Is but a loss of labor and of rest ; The links which time did break of hearty bands
Words cannot knit, or
wailings make anew.
Seek not the sun in clouds when it is set. On highest mountains, where those cedars grew, Against whose banks the troubled ocean beat,
And were the marks to find
thy hopëd port,
Into a soil far off themselves remove ; On Sestos' shore, Leander's late resort, Hero hath left no lamp to guide her love.
Thou lookest for light in
vain, and storms arise;
She sleeps thy death that erst thy danger sighed; Strive then no more, bow down thy weary eyes, Eyes which to all these woes thy heart have guided.
She is gone, she is lost,
she is found, she is ever fair;
Sorrow draws weakly where love draws not too; Woe's cries sound nothing, but only in love's ear. Do then by dying what life cannot do.
Unfold thy flocks and leave
them to the fields,
To feed on hills or dales, where likes them best, Of what the summer or the springtime yields, For love and time hath given thee leave to rest.
Thy heart which was their
fold, now in decay
By often storms and winter's many blasts, All torn and rent becomes misfortune's prey; False hope, my shepherd's staff, now age hath brast.
My pipe, which love's own
hand gave my desire
To sing her praises and my woe upon, Despair hath often threatened to the fire, As vain to keep now all the rest are gone.
Thus home I draw, as death's
long night draws on;
Yet every foot, old thoughts turn back mine eyes; Constraint me guides, as old age draws a stone Against the hill, which over-weighty lies
For feeble arms or wasted
strength to move:
My steps are backward, gazing on my loss, My mind's affection and my soul's sole love, Not mixed with fancy's chaff or fortune's dross.
To God I leave it, who first
gave it me,
And I her gave, and she returned again, As it was hers; so let His mercies be Of my last comforts the essential mean.
But be it so or not, the
effects are past;
Her love hath end; my woe must ever last. |
(FROM J. HANNAH's Courtly Poets from Raleigh to
Montrose, 1870.)
Poema retirado de: http://www.luminarium.org/renlit/oceancynthia.htm
Glossário:
Woe = tristeza profunda
Sorrow = sentiment de profunda tristeza
Sestos' shore =
literal europeu
Leander =
Protagonista do mito grego "Hero and Leander" - história presente em
diversos autores da renascença.
Cedar = uma árvore alta que nunca perde
suas folhas
Análise do poema
(from J. HANNAH's Courtly Poets
from Raleigh to Montrose, 1870)
Como mencionado
anteriormente, The Ocean to Cynthia é
Raleigh (Ocean) escrevendo para Cynthia (Elizabete) e o poema é uma elegia à
rainha.
Durante todo o
poema o eu-lírico manifesta extrema tristeza e afirma que não vale a pena lutar
se a amada não está mais ali e esse sofrimento não tende a acabar, pelo
contrário, com o tempo ele só aumentará.
Na 3ª estrofe,
o eu-lírico diz para não procurar o sol quando ele já está posto (Cynthia sendo
projetada como sol, centro de tudo), ou seja, ele não deve procurá-la, já que
ela não está mais disponível.
Outra imagem
interessante é a possível associação da Cynthia com a montanha (alta, poderosa,
indestrutível e irremovível), contra a qual os oceanos se chocam (Raleigh se
choca) e ela era o seu porto seguro, onde ele encontrava esperança.
Relação com Petrarca
1) Descrição metafórica ou associação mitológica
The Ocean
to Cynthia
Na convenção
Petrarquista, a beleza da dama poderia ser louvada com uma metáfora descritiva
ou com uma associação metafórica– Cynthia pode ser um sinônimo para Ártemis,
devido ao monte Cynthus em Delos – a fim de expressar o grande impacto dela no
eu-lírico.
Outra imagem
interessante é a possível associação da Cynthia com a montanha alta, poderosa,
indestrutível e irremovível, contra a qual os oceanos se chocam (Raleigh se
choca) e que era o porto seguro, onde ele encontrava esperança. (thy hope = esperança).
Words cannot knit, or
wailings make anew.
Seek not the sun
in clouds when it is set.
On highest
mountains, where those cedars grew,
Against whose banks
the troubled ocean beat,
And were the
marks to find thy hopëd port,
2) A utilização de imagens
opostas (paradoxos).
Como já
mencionado, uma gama de antíteses podem ser vistas nos poemas de Petrarca,
recurso que marca a sua obra, e aqui podemos ver o mesmo acontecendo.
To seek for moisture in
the Arabian sand
Is but
a loss of labor and of rest ;
The links which time
did break of hearty bands
Aqui este
recurso é utilizado argumentando que já não vale mais a pena lutar, só lhe
resta sofrer por essa perda e deixar o destino agir. A busca pelo Amor da
rainha é uma perda de tempo, assim como buscar água no deserto, uma vez que as
ligações desfeitas pelo tempo não podem ser remendadas através de palavras,
talvez pelos infindáveis poemas feitos por ele ou através de lamentos.
3) A salamandra de Petrarca
A
salamandra de Petrarca que queima e é fria fazendo seus amantes sofrerem está
representada no poema. Entende-se que uma vez a dama pareceu estar interessada
no eu-lírico, ele se encantou por ela e sofre por não a ter novamente. O par da
dama (indiferente x amante) traz a imagem de vassalagem para esta situação em
que o homem é um servo eterno, enquanto a dama é superior. A dama
Petrarquista é cruel com seus admiradores, assim como a rainha. A dama tinha
sua beleza adorada, aqui a rainha tem sua soberania exaltada, pois, sendo a
rainha virgem, ela estava muito além do alcance de admiradores comuns. Ela os causava sofrimento, pois eles nunca a
teriam.
Thou lookest for
light in vain, and storms arise;
She sleeps thy death
that erst thy danger sighed;
Strive then no more,
bow down thy weary eyes,
Eyes which to all
these woes thy heart have guided.
FORSTER, Leonard. The Petrarchan
Manner. The Icy Fire. Five Studies in European Petrarchism. Cambridge:
Cambridge University Press, 1969.
FORSTER, Leonard. The Political
Petrarchism of the Virgin Queen. The Icy Fire. Five Studies in
European Petrarchism. Cambridge: Cambridge University Press, 1969.
HANNAH, J., The courtly poets from Raleigh to Montrose, London, Bell and Daldy, 1870.
INTERNET ARCHIVE
LUMINARIUM: Anthology of English Literature
NATIONAL PORTRAIT GALLERY
POETRY FOUNDATION
https://www.poetryfoundation.org/poems-and-poets/poets/detail/sir-walter-ralegh
WILKINS, E. H. A General Survey of
Renaissance Petrarchism. ... Baldensperger and W. P. Friederich, Bibliography of Comparative Literature, Chapel
Hill, 1950.
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